sábado, 4 de outubro de 2008

Em busca da cidadania IV



Circulo Trentino, em Curitiba

Portas fechadas, portas abertas
Que significado tem para cada pessoa a busca e a conquista da cidadania italiana? Certamente, são pensamentos e emoções diversificados. Em dezembro de 2005, durante a cerimônia de assinatura do livro do consulado italiano, enquanto ouvíamos o belíssimo Hino ao Trentino, Suzete e eu ficamos emocionadas, e as lágrimas que tentamos conter ainda não possuem uma explicação racional. Nossas filhas se admiraram, até porque estávamos distantes uma da outra e tivemos a mesma reação. Assim como a maturidade permite certas expressões de sentimentos, também possibilita algumas reflexões que os mais jovens ainda deverão construir. 

Para nós, de uma geração que teve contato com avós e tios-avós, tendo vivenciado atitudes e valores que, atualmente estão esquecidos (alguns merecidamente, como o formal beija-mão dos padrinhos, substituído por abraços afetuosos), a ligação com a terra de origem dos antepassados é mais forte, assim como o valor que é dado à História e às histórias de vida. Os picos nevados, os vales, as videiras, as flores, o povo tenaz que produz a terra – a letra do hino faz uma ligação com algo que está no nosso inconsciente, no entanto, de alguma forma, também se liga às lembranças das mãos calejadas do vovô, do feijãozinho gostoso que a vovó preparava, das hortênsias que cultivava ao lado da fábrica de calçados, numa Curitiba em que as geadas começavam em abril e seguiam até agosto.

O que nós sentimos fez com que nos envolvêssemos mais diretamente na busca de nossas origens e da cidadania italiana, junto com José Maria, que é um dos pioneiros nesse trabalho investigativo. Seguimos com nossas lembranças e emoções, sem deixar de fazer, no entanto, uma leitura crítica em relação às dificuldades que temos encontrado para reunir informações e documentos que possibilitem reconstituir a história da família.
Em relação à pesquisa documental, por exemplo, foram cinco anos de tentativas junto à Paróquia de Morretes até que fosse encontrada a certidão de casamento de Pietro Bonat e Maria Maddalena Colodel, a qual consegui entregar ao Circolo Trentino de Curitiba poucos dias antes da assinatura do livro do consulado. 

Em 2007, fomos avisados pelo Circolo que precisávamos apresentar algum documento que comprovasse o local e a data de nascimento do avô Hugo, uma vez que a declaração apresentada em 2005 não estava sendo aceita pelo consulado. Entre inúmeros telefonemas, e-mails e cartas, retomando a pesquisa em igrejas e cartórios de Pelotas, Ponta Grossa e Curitiba, com o auxílio de José Maria e Antonio Carlos, Suzete e eu tentamos obter esse documento. Essa tarefa já fora iniciada há quase dez anos por Ernani Bonat, neto de Giorgio, que resgatou grande parte da história da família em Pelotas, especificamente na Colônia Maciel, a qual teve os irmãos Bonat como fundadores. Porém, nem o grupo do Frei Rovílio Costa, dedicado pesquisador da imigração italiana no Rio Grande do Sul, pôde fornecer dados sobre essa colônia e as igrejas católicas não disponibilizaram os registros para serem microfilmados pela igreja dos mórmons, que seria outra fonte de pesquisa. 

Seguindo sugestão do Circolo, entreguei uma Escritura Pública de Declaração, no início de 2008, entretanto, pouco tempo depois, o Circolo comunicou que o consulado não estava aceitando esse tipo de documento. Só nos restava a via judicial. Após voltar de Mezzano, Suzete resolveu fazer uma última tentativa. Ligou novamente para a Diocese de Pelotas e explicou que o juiz iria solicitar uma certidão negativa, já que não haviam achado a certidão de batismo. Citou o cartório no qual os irmãos mais novos foram registrados (e que já havia encaminhado uma certidão negativa de registro do nosso avô). Lastimou que, no Brasil, fosse tão difícil encontrar um documento de 1887, enquanto que, na Itália, em 24h, ela teve acesso à árvore genealógica da família desde 1565! Então, a pessoa responsável disse que iria fazer nova pesquisa e, para nossa grande surpresa, achou o registro de batismo em uma semana!!

Quais foram as dificuldades que persistiram durante anos? Quais palavras abriram essa porta? Ficam as perguntas.

Suzete me enviou a certidão, com a firma reconhecida do pároco e o sinal público do cartório de Pelotas. O envelope, “Registered Priority”, chegou à Curitiba onze dias depois de postado em Blumenau. Após providenciar as fotocópias autenticadas, fui ao Circolo Trentino. Encontrei a porta fechada, pois estavam fazendo serviço interno! No dia 26 de setembro, depois de outra ida ao cartório para o reconhecimento da firma da tabeliã de Pelotas, finalmente pude entregar a certidão. Agora, o processo está completo, com os dois ramos da família (descendentes de Hugo e Reynaldo Bonat), e seguirá para o consulado assim que for entregue mais um documento que comprove a permanência de Pietro Bonat no Brasil. Além da proposição da Câmara de Vereadores de Curitiba para nomear a rua Pedro (Pietro) Bonat (documento encontrado inicialmente por José Maria e já entregue por Ana Tereza ao Circolo), devemos enviar a cópia da escritura de compra do terreno no Tatuquara, descoberta por Antonio Carlos, em outubro de 2005. Ainda tentaremos encontrar a certidão de desembarque, direcionando o trabalho, uma vez mais, para os arquivos públicos e os microfilmes da igreja dos mórmons, uma instituição com as portas sempre abertas para quem se interessa pela pesquisa da história familiar. A visita de Suzete a Mezzano também abriu a possibilidade de solicitar algum registro oficial da emigração dos irmãos Bonat, que é aceito pelo consulado.
Apresento os detalhes de nossas ações para que outros pesquisadores, além dos membros de nossa família, possam compreender o processo, os encaminhamentos possíveis e as dificuldades que encontramos ao longo desses anos.
As emoções seguem integradas com as ações, nos guiam muitas vezes, nos fazem investir em termos de tempo e dinheiro, apontando para algo que está além da obtenção da cidadania italiana e do passaporte rosso (cujo prazo, aliás, é de, aproximadamente, cinco anos). Que cada um possa encontrar dentro de si esse “algo mais”, que nos impele a abrir portas e realizar desejos. 

O prazo para dar entrada nos processos de cidadania italiana vai até 31.12.2009.

Yara

28/09/08


Foto de Suzete Bonat de Mello